sábado, 13 de novembro de 2010

Duelo de titãs na opção teoria unitária/tripartida dos direitos subjectivos públicos

1. Introdução:
De acordo com o art.9º do Código de Processo Administrativo, o autor é parte legítima quando titular numa relação material controvertida. Tem-se discutido o alcance desta norma, nomeadamente tem-se pretendido saber se aqui se compreendem quer os direitos subjectivos quer os interesses legalmente protegidos.
Esta discussão é ainda adensada pelo art.55º desse mesmo código que estabelece que tem legitimidade activa o titular de um interesse directo e pessoal por ter sido lesado pelo acto administrativo nos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
2. Raízes históricas, a infância ‘traumática’:
O primeiro trauma resultou da negação de direitos aos administrados. Ottomayer falava dos particulares como verdadeiros súbditos e Hauriou num contencioso administrativo de mera legalidade.
Hoje, contudo, o Estado e as outras pessoas colectivas públicas regem-se pelo princípio da legalidade que estabelece limites à sua actuação e os particulares são entendidos como verdadeiros sujeitos de direitos. Hoje temos inclusive o princípio da primazia dos direitos dos particulares que vinculam todas as entidades públicas e privadas.
Neste sentido, a lógica da relação jurídica é a que melhor se adequa ao direito português. A consideração dos particulares como titulares de direitos é uma exigência dos Estados de Direito.
Apesar disto, a escola subjectiva de Direito Público, finais do século XIX, foi ainda difundida em Portugal por Marcelo Caetano. Na esteira de Hauriou considerava-se que os particulares eram meros colaboradores da Administração Pública. Não afirmavam uma posição substantiva antes discutiam a legalidade da decisão administrativa. Reconhecia-se um mero direito à legalidade.
De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva confundia-se ordem jurídica com princípio da legalidade. Era um direito de todos e portanto de ninguém, não faz do titular um verdadeiro sujeito de direito.
3. A distinção entre direito subjectivo e interesses legítimo pela doutrina italiana:
Surgiu por obra de corrente italiana motivada por razões históricas. A instauração do liberalismo trouxe ideia de que matérias administrativas cabiam a tribunais comuns porque relativas a direitos, se não se integrassem aqui então eram interesses legítimos que cabiam a tribunais administrativos.
Não havia nenhum critério legal e em 2000 todas as matérias passaram para os Tribunais Administrativos. Para Professor Vasco Pereira da Silva não havia razão para Portugal ir buscar conceito de ‘interesse legítimo’ e procurar transformá-lo num critério lógico.
Posteriormente, um outro estudo levou autores como Zanabiri a fazerem distinção entre protecção directa e imediata (direito subjectivo) ou mediata (interesse legítimo). Este interesse resulta da abstracção da norma.
O Professor Freitas do Amaral dá exemplo de direito subjectivo de funcionário público: direito de progressão na carreira e contrapõe à situação de existirem cinco candidatos à posição de catedrático sendo que nenhum tem direito ao cargo.
No caso das candidaturas, não existe direito subjectivo mas interesse legítimo que leva a deveres da administração (analisar com imparcialidade o currículo etc).
Para Professor Vasco, estes deveres correspondem a direitos dos particulares
4. Outras teorias:
a. Teoria de Mário Ligro (Itália)
Introduzida em Portugal pelo prof.Rui Machete segundo a qual o particular tem direito mediatizado pela administração. Não é adequada à lógica portuguesa.
b. Teoria do direito reactivo:
Particular perante a lesão de direito goza de direito reactivo de juízo
c. Teoria da norma protectora:
Data dos finais do século XIX, defendida por Buhler e posteriormente Bagnof. É a posição que o professor Vasco Pereira da Silva considera mais acertada.
Assentava em três realidades: 1. Norma jurídica de carácter vinculativo (exercício de poderes vinculados quando estabelecidos no interesse do particular originam direito subjectivo) 2. Norma protege também interesses do particular 3. Nestas circunstâncias, era preciso existir tutela directa de acesso ao tribunal
Esta teoria foi reestruturada após a II guerra mundial por Bagnof que entende que a posição anterior era restritiva pois não há actos totalmente vinculados nem totalmente discricionários. Isto traduz um alargamento dos direitos subjectivos pois discricionariedade deixa de ser vista como excepção.
O mote da teoria da norma de protecção é de que há uma presunção dos deveres da administração existirem para proteger particulares. Por último, Bagnof vem também dizer que o direito subjectivo de recurso aos tribunais não é condição da existência do direito mas consequência.
Esta é a lógica do Estado Social. As Constituições dos anos 70 vão trazer novos direitos fundamentais em áreas novas, nomeadamente o direito ao ambiente. Na perspectiva italiana, estes novos direitos são interesses difusos, na alemã fala-se em direitos subjectivos públicos.
Para Professor Vasco Pereira da Silva trata-se de direito que impõe direitos e deveres numa relação multilateral. É esta uma realidade nova: relação jurídico-administrativa multilateral. Há apenas uma noção de direito subjectivo unitária, comum a toda a ordem jurídica.
Para a professora Maria João Estorninho, na esteira da concepção tradicional entende que tanto na figura do direito subjectivo como na do interesse legítimo existe um interesse privado reconhecido e protegido pela lei. Enquanto no direito subjectivo o que existe é um direito a decisão final favorável, no interesse legítimo apenas se pode pretender que uma eventual decisão desfavorável do seu interesse não seja tomada ilegalmente.
Como observa Vieira de Andrade, divisam-se hoje cada vez mais exemplos de direitos subjectivos cujos titulares não beneficiam de uma tutela plena em face da Administração. Deverá admitir-se que a variedade existente entre as figuras do direito subjectivo e do interesse legítimo ou legalmente protegido tende hoje a não ser uma variedade categorial mas sim de grau.
Por outro lado, deve ter-se presente que ao lado dos direitos subjectivos públicos e dos interesses legítimos, existem outros tipos de situações jurídico-públicas – de vantagem – dos particulares em face da Administração como são os interesses simples. Dentro dos mesmos temos os interesses reflexamente protegidos que não são objecto de qualquer previsão normativa de protecção. Temos ainda os interesses que não pertencem a pessoas individualmente consideradas: interesses semi-diferenciados e difusos.
5. Alcance da distinção:
Não há, hoje em dia, diferenças muito significativas de regime jurídico entre as figuras do direito subjectivo e do interesse legítimo. Não significa isto que haja equiparação absoluta para alguns autores:
1. A proibição da retroactividade de leis restritivas ou certas limitações à actividade policial valem apenas para os direitos, liberdades e garantias e direitos de natureza análoga
2. Nos direitos subjectivos clássicos os respectivos titulares beneficiam de uma tutela plena em face da Administração, nos interesses legalmente protegidos, os particulares apenas podem esperar que aquela não os prejudique ilegalmente
3. Código de procedimento equipara estatuto revogatório dos actos constitutivos dos interesses legalmente protegidos ao dos constitutivos de direitos
4. Responsabilidade civil do Estado prevista no art.22ºCRP é entendida como abrangendo igualmente os casos de violação de interesses legalmente protegido
Para outros autores como o professor Vasco Pereira da Silva, são apenas duas formas de atribuição de direitos – defende portanto uma teoria unificadora, ou seja, que não há alcance nesta distinção.
Apesar de toda a discussão doutrinária, o legislador arranjou forma de ambas as construções caberem na letra da lei pois temos o emblemático art.53ºCPA.

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