domingo, 7 de novembro de 2010

O Contencioso Administrativo Macaense no Divã

Indo ao encontro do primeiro desafio lançado pelo Professor Vasco Pereira da Silva, resolvi convidar o Contencioso Macaense a deitar-se no divã da psicanálise com vista a uma viagem, p’la sua mão, simples e não ofegante, através do labirinto da sua infância.

Como honrados nacionais que somos, sabemos que chegamos a Macau no século XVI, mais propriamente em 1557, ano esse que marca a entrada da Civilização Ocidental na China. Fomos nós portugueses que tornamos Macau no grande intermediário comercial entre a China, a Europa e o Japão.

Em 20 de Dezembro1999, dois anos e meio após a entrega da antiga colónia inglesa – Hong Kong- à China e poucos meses depois de os EUA terem entregue a soberania do Canal do Panamá, deu-se a Declaração Conjunta sino-portuguesa sobre a questão de Macau. Depois desta transferência de soberania, Macau passou a ser uma Região Administrativa Especial (RAE) chinesa. Deu-se portanto uma divisão administrativa de nível provincial da República Popular da China.

Gostaria só de frisar um aspecto importante: É que as RAE são diferentes das zonas económicas especiais da República Popular da China (RPC) visto estas serem regiões totalmente administradas pelo Governo Popular Central – artigo 31º da Constituição, o que as distingue das RAE. Este aspecto é importante porque, como sabemos, a RPC é uma República Socialista governada pelo único partido do sitema chinês – partido comunista da China.

Como é característico dos países comunistas, estes suprimem o sector privado mas, em 1997, a China abandona de vez o socialismo de mercado e envereda pelo capitalismo comercial. Mas nem por isso Macau deixou de ser firme e persistente ao manter a sua estrutura e acordar que, pelo menos duarante 50 anos, o estatuto de Macau continua a ser mantido, logo, toda a legislação até 1999, apesar das muitas reformas , como por exemplo o uso da língua chinesa nos tribunais e nas legislações, continua a ser essencialmente a mesma e não se aceitou qualquer revogação.

Prova disso é o artigo 5º da Lei de Bases 9/1999 da RAE de Macau da RPC: “ O sistema socialista e respectivas políticas não deve ser praticado na RAE de Macau e o sistema capitalista anterior e o modo de vida deve permanecer inalterado por 50 anos”.

Daí a expressão muito utilizada para caracterizar as dicotomias entre Macau e China: “ um país, dois sistemas”.

A administração da RAE de Macau é composta pelo Chefe executivo de Macau (cidadão chinês), aconselhado pelo respectivo Conselho executivo, sendo o orgão que emana as leis, a Assembleia Legislativa.

Dentro dos Orgãos Judiciários encontramos o Ministério Público (mesmas características e funções do sistema português), os Tribunais de Primeira Instância, compostos pelo Tribunal Judicial de Base e pelo Tribunal Administrativo, os Tribunais de Segunda Instância e, por fim, os Tribunais de Terceira Instância. Para acentuar a frase que adjectiva as dicotomias entre Macau e China ,“um país, dois sistemas”, os tribunais são os únicos orgãos com competência para exercer o poder jurisdicional.

Faz parte do seu objectivo defender a legalidade, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e aínda solucionar litígios de interesses públicos e privados.

O Tribunal Administrativo, tal como o Tribunal Judicial de Base, são tribunais de primeira instância – artigos 23º e 27º da lei de bases de Macau – Lei nº 9/1999.

Mas, tentando o paciente macaense chegar à sua pintura original, recorda que o Tribunal Administrativo é competente para dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, fiscais e aduaneiras. Freud ajuda-o lançando a seguinte provocação: “ julgar a administração é aínda administrar”.

O paciente dá um salto, quase levantando-se do divã, mostrando assim a sua indignação e a sua revolta face a esta provocação e diz: “Não! Julgar a administração é ainda... julgar”!

O Tribunal de Segunda Instância ainda conhece os conflitos de jurisdição entre o Tribunal Administrativo e as autoridades administrativas, fiscais e aduaneiras.

O Tribunal de Terceira Instância julga os recursos dos acordãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos em segundo grau de jurisdição (em matéria cível e laboral, bem como nas acções do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro, ou em matéria criminal). Conhece também os conflitos de competência entre o Tribunal de Segunda Instância e os Tribunais de Primeira Instância, assim como os conflitos de jurisdição com o Tribunal de Segunda Instância.

Concluindo, não é o Tribunal Administrativo o único tribunal incumbido de proceder à resolução dos conflitos surgidos entre a Administratção Pública e os particulares, não é por isso uma Ordem Independente face aos outros tribunais, como acontece no sistema português e francês.

O Contencioso Administrativo Macaense está a recordar a infância passada com os seus dois irmãos: o irmão Português e o Inglês. Parece que do irmão Português recebeu muitas influências, pois foi com ele que passou a maior parte do tempo, mas no que toca ao aspecto de julgar a Administração foi, sem sombra de dúvida, mais permeável ao seu irmão Inglês. Parece que apanhou os traços internos do seu Sistema Jurisdicional Administrativo.

Mas, mesmo assim, o Paciente Macaense insiste em delinear os aspectos que julga que o aproximam e o afastam dos seus irmãos.

No que caracteriza o seu irmão Inglês, a Administração Pública achava-se submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns (courts of law) e estes aplicavam os mesmos meios processuais às relações da Administração com os particulares, que aplicam às relações dos particulares entre si. Já não era assim em Portugal, onde influências napoleónicas levaram a que a Administração se encontrasse separada da Justiça: “julgar a administração é ainda... julgar”!

Com a evolução do Sistema Britânico, apesar de terem surgido os Administrative Tribunals, nem por isso a Administração Inglesa deixou de estar sujeita ao controlo dos tribunais comuns.

Parece que o Contencioso Macaense fica à frente do Contencioso Inglês em nome mas não em funções. Quero dizer com isto que, apesar de o Contencioso Macaense reflectir uma enorme influência inglesa, cria um Tribunal Administrativo que não existia no Sistema Inglês mas sim no Português. Não sendo este Tribunal Administrativo um tribunal dependente da própria Administração como o era o Tribunal Administrativo Português.

O Contencioso Macaense criou esse Tribunal Administrativo mas sujeitou-o à jurisdição dos tribunais comuns e isso distingue-o do seu Irmão Inglês.

Apesar de, mais tarde, o Sistema Britânico ter criado os Administrative Tribunals, o Tribunal Administrativo Macaense marca a diferença, visto estes não serem autênticos tribunais mas sim Orgãos Administrativos Independentes junto da Administração Central, para decidir questões de direito administrativo, apesar de sujeitos ao controlo dos tribunais comuns.

O Tribunal Administrativo Macaense, sendo um Tribunal de Primeira Instância, está sujeito ao controlo dos tribunais comuns mas não é um Orgão Administrativo Independente. É, sim, um Orgão Judicial sujeito aos outros orgãos judiciais de segunda e terceira instância, que, como já foi mencionado atrás, julgam todo o tipo de litígios.

Poderíamos imaginar-nos a convidar este paciente, na continuação do processo psicanalítico a que aceitou sujeitar-se com vista à reciclagem dos traumas da infância, a admitir a hipótese de uma verdadeira separação de poderes - a separação de Jurisdições Autónomas. A admitir esta situação, poderíamos concluir que a psicanálise, neste caso específico, se revelou a terapia indicada. Não é difícil admitir que o Paciente Macaense revelaria nesta altura uma maior autonomia interior. A corda bamba nunca é a melhor solução.


Bibliografia:

O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Vasco Pereira da Silva

Curso de Direito Administrativo, Vol.I, Diogo Freitas do Amaral

Revista da Administração Pública de Macau

O Suporte Institucional do Contencioso Administrativo da Região Administrativa Especial de Macau, João Luís Dias Soares



Teresa Street de Arriaga e Cunha

Nº140106050


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