domingo, 17 de outubro de 2010

A EVOLUÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO ITALIANO

Professor, aqui tem, de forma muito condensada, uma apreciação e perspectiva geral sobre a história do contencioso italiano.



-PECADO ORIGINAL

Em Itália, as experiências liberais levam à adopção do modelo francês do administrador-juiz acrescentando, contudo, uma “inovação” que constava na consagração de uma jurisdição ordinária única para todos os litígios mas, ao mesmo tempo, dando azo à criação de um contencioso privado para a Administração consubstanciado na divisão entre direitos subjectivos e interesses legítimos. Esta distinção, espelhada na Lei nº 2248, de 20 de Março de 1865, suprimia os antigos tribunais de Contencioso Administrativo, atribuindo aos juízes o conhecimento de todos os litígios com a Administração Pública no que se referia ao exercício do poder administrativo desde que se tratasse de tutelar direitos subjectivos. Por outro lado, os litígios com a Administração que não envolvessem direitos (concessão, autorização, licença) seriam reconduzidos a situações de mero interesse sendo por isso tuteláveis perante a Administração Pública através dos mecanismos de tutela contenciosa.

Desta forma, instaurou-se uma dualidade de competências que consistia na simultânea participação dos tribunais e da administração para decidir dos litígios administrativos, sendo estes repartidos conforme o critério já enunciado.

Mais tarde, já em 1889, e com a Lei nº 5992 de 31 de Março, vai-se proceder à criação da IV Secção do Conselho de Estado, o que para alguns se revelou no “nascimento do juiz administrativo”. Contudo, o sistema que a esta lei antecedeu não foi suprimido, tendo sido até expressamente ressalvado pela norma do art.3º nº1 da referida lei.

-BAPTISMO

Em 1907 (Lei nº62, de 7 de Março) o Conselho de Estado adquire a natureza de um verdadeiro tribunal, o que originará uma jurisdição autónoma para os litígios administrativos, desenvolvida posteriormente através de diplomas como a Lei nº 2840 de 1923, que institui a jurisdição exclusiva do juiz administrativo, expandindo por isso o âmbito da justiça administrativa, assim como reforça os poderes de controlo jurisdicional da Administração. Também a reforma de 1971, que criou os Tribunais Administrativos Regionais para serem como que a “primeira instância” da jurisdição administrativa tornou mais efectivas as medidas de controlo contencioso.

-CRISMA

1º período (Constitucionalização): A Constituição de 1947 já reafirmava a natureza jurisdicional da Justiça Administrativa, embora mantivesse a sua já conhecida subjectividade patenteada na distinção entre direitos subjectivos e interesses legítimos. Assim, será a acção inovatória da jurisprudência (tribunais administrativos e Tribunal Constitucional) e da doutrina que irá alterar o sentido interpretativo da Constituição (não mais aceitando as teses clássicas e objectivistas da repartição de jurisdições), acentuado para isso a sua dimensão subjectiva, no que respeita à tutela da esfera jurídica dos privados lesados por actos ou comportamentos da Administração Pública em contradição com o direito. Assiste-se assim a uma ascensão da “constituição material” por força do entendimento e interpretação subjectiva que irá permitir uma mais eficaz tutela dos direitos e interesses dos particulares. Todo este movimento se irá repercutir ao nível dos tribunais (progressivo alargamento do âmbito de controlo) e do legislador (Lei nº59 de 1997, consequente decreto legislativo de execução nº80 de 1998 e reforma de 2000, que se afasta decisivamente do paradigma da repartição de jurisdições). Toda esta ruptura jurisprudencial e legislativa dá origem a uma nova “Constituição da Justiça Administrativa” que, por força do poder constituinte material supera a sua redacção formal e clássica, dando origem à necessidade de uma conformação da perspectiva formal com a perspectiva material.

2º período (Europeização): A reforma de 2000 da justiça administrativa surge também como forma de reconhecimento da europeização do sistema, mormente em três dimensões:

-no alargamento do âmbito de jurisdição administrativa, deixando para trás a distinção clássica entre direitos subjectivos e interesses legítimos, feita em nome do fenómeno de convergência europeia, com o objectivo de dotar o sistema italiano de uma lógica de carácter europeu distinguindo os litígios em razão da matéria e não em razão das situações subjectivas;

-na criação de um regime específico de responsabilidade civil extracontratual da Administração, o que se articula com o proferido pelas instâncias europeias, dotando assim o sistema italiano de um mecanismo de ressarcimento em sintonia com as práticas europeias;

-no aperfeiçoamento da tutela cautelar, que surge como resposta aos inúmeros pedidos comunitários que declaravam a insuficiência do sistema vigente, permitindo agora ao juiz não só suspender o acto, mas também a adoptar medidas cautelares.

CONCLUSÃO

Pode dizer-se que, de forma abreviada, o contencioso administrativo italiano desde cedo lutou contra um “distúrbio de personalidade” que lhe parecia intrínseco. O surgimento de uma repartição de competências em função das posições subjectivas foi apenas a “cereja no topo do bolo” de um sistema que acolheu o modelo do administrador-juiz e que apenas na segunda metade do séc.XX se conseguiu libertar do entendimento objectivista e formal dado à sua Lei Fundamental que, devido à acção conjunta da jurisprudência e da doutrina, alargou o âmbito da tutela dos direitos dos particulares, provando deste modo que nem sempre as grandes inovações provêm do legislador que, neste caso, seguiu a sábia orientação daquelas que para muitos se consideram fontes de direito mediatas. Este mediatismo permitiu contudo tornar imediatas alterações na perspectiva constitucional e europeia que contribuíram para um crescimento progressivamente mais “saudável” do contencioso administrativo italiano.




MIGUEL CORTES MARTINS

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