domingo, 24 de outubro de 2010

Reflexos Legais do Contencioso de Plena Jurisdição

• Breves considerações preliminares
Esta breve exposição sobre o contencioso de plena jurisdição surge no âmbito das “intervenções voluntárias” sugeridas pelo Professor.
Pretendo neste pequeno post demonstrar algumas das implicações práticas que surgem com a consagração do princípio da tutela jurisdicional efectiva.


• O CPTA expõe nos seus primeiros artigos uma panóplia de princípios fundamentais,
entre os quais se encontra o princípio da Tutela jurisdicional efectiva, respectivamente nos termos do art.2º do referido código.
O art. 2º do CPTA não é mais do que a concretização do preceito constitucional presente no art. 268º/4 da Constituição da República Portuguesa. Este artigo convoca para o contencioso administrativo a regra existente no processo civil de que a cada direito corresponde uma acção (Ver art.2.º, n.º2), i.e, cada direito ou interesse legalmente protegido encontra no Contencioso Administrativo a protecção adequada.
O CPTA não inova ao fazer corresponder a cada direito a uma acção, dando mero cumprimento a um direito fundamental consagrado constitucionalmente desde a revisão constitucional de 1997 – logo, o CPTA é direito constitucional concretizado.
O legislador procurou garantir a protecção plena dos direitos dos particulares através do desdobramento da tutela em 3 dimensões fundamentais:
a) O Contencioso oferece a quem a ele recorre formas processuais adequadas para fazerem valer as suas pretensões e terem sobre elas uma decisão que se pronuncie com força de caso julgado – plano da tutela declarativa.
No plano declarativo o princípio manifesta-se através da premissa de que todo o tipo de pedidos podem ser deduzidos e todo o tipo de condenações judiciais podem ser proferidas no âmbito da jurisdição administrativa – que deixa deste modo de ser uma jurisdição de poderes limitados à mera anulação de actos administrativos. Veja-se a este propósito o art. 4º ETAF, e art. 37º/2 CPTA (Tendo sempre como referência que se tratam de normas exemplificativas e não taxativas)

b) Plano da tutela cautelar – Um particular que procura na jurisdição administrativa a protecção dos seus direitos, pode ter necessidade de ver adoptadas medidas mais expeditas para que os seus direitos não sejam prejudicados enquanto se aguarda decisão definitiva, acautelando assim o efeito útil da decisão judicial. Ver art. 122º/1 CPTA.
c) Este princípio apresenta uma 3ª dimensão – a da tutela executiva. O Contencioso administrativo coloca à disposição de quem tenha obtido uma decisão jurisdicional com força de caso julgado, as formas processuais adequadas para que a mesma tenha execução prática. Logo, não só tem amplo poder declarativo como tem meios executórios próprios.

Estas três camadas do Princípio da Tutela Jurisdicional asseguram que a justiça administrativa não seja prosseguida por uma jurisdição de poderes limitados, nem “promiscuamente” ligada à Administração.

• Reflexos da plena jurisdição:

A consagração deste modelo constitucional de contencioso administrativo representa um passo significativo na “terapia” do mesmo, ajudando a superar os traumas da sua infância, e reflectindo-se maioritariamente em 5 aspectos:

1) Reconhecimento dos Tribunais Administrativos como pertencendo à ordem jurisdicional.
Consagrado no art. 9º da CRP, vem garantir que um particular que vê os seus direitos lesados pela administração pode dirigir-se directamente a tribunal.
Pode assim sustentar-se a caducidade, por falta de objecto, conexas com reclamação e recurso hierárquico obrigatórios (Ver art. 166º e seguintes do CPA).

2) Desaparecimento do recurso de anulação
Deixa de se falar em recursos – que transmitiam a ideia de uma apreciação em 2ª linha, por parte dos Tribunais Administrativos – para se utilizar a expressão acção.
Parece prevalecer a lógica do Cód. Processo Civil de que a cada direito corresponde uma acção adequada para o fazer valer (Ver arts. 37º e 46º CPTA). Dá-se então a emancipação do poder judicial administrativo face à administração (poder executivo).
3) Prevalência do Direito sobre a Legalidade actocêntrica – o verdadeiro escopo da acção.
Não está mais em causa a prossecução da legalidade no que concerne aos actos administrativos, mas sim a efectivação dos direitos dos particulares, direitos esses que podem ser lesados quer por acção quer por omissão da administração, no exercício de poderes discricionários ou vinculados.
Exemplo paradigmático: Responsabilidade Civil do Estado
Sem prejuízo de algumas excepções, os Tribunais Administrativos passam a ser competentes para decidir sobre todas as questões de responsabilidade civil extracontratual que envolvam pessoas colectivas de direito publico, não sendo essa a sua única competência quanto a esta matéria e, a esse respeito, confrontar o art. 4º ETAF com a Lei 67/2007.
4) “Uma modificação subjectiva da instância” – dos administrados às partes processuais.
Os particulares deixam de ser considerados administrados e passam a ser considerados parte legitima nos termos e para os efeitos do art 9º CPTA. Surge também o reconhecimento de que os órgãos da Administração prosseguem interesses próprios, sendo unicamente da responsabilidade do Ministério Público a prossecução da legalidade, i.e., o MP vai intervir no processo unicamente para averiguar questões conexas à legalidade da actuação da administração – ver art.85.º CPTA e 51.º ETAF.
A este respeito ver ainda os arts. 6º e 10º CPTA.
5) Dos poderes de pronúncia – da mera anulação à condenação.
Os tribunais administrativos deixam de ter como único poder a declaração de nulidade ou anulação de actos administrativos, uma vez que pode nem haver acto administrativo a sindicar. Os tribunais administrativos surgem então com uma nova amplitude de poderes, sendo a condenação à prática de acto devido o paradigma da plena jurisdição, uma vez que também tem implicação no âmbito dos poderes discricionários – arts. 66º e 71º CPTA.

• Em suma, os aspectos que abordámos são, em nosso entender, os de maior relevância no que respeita ao princípio da tutela jurisdicional efectiva dos particulares.

Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira da - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo
AMARAL, Diogo Freitas do; ALMEIDA, Mário Aroso de - Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo

Catarina Almeida Andrade
14106034

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