terça-feira, 26 de outubro de 2010

Evolução histórica do Contencioso Administrativo em Moçambique

O contencioso administrativo caracteriza-se por uma evolução dinâmica e por uma propensão para adquirir contornos singulares em cada uma das ordens jurídicas nacionais que o receberam.

Assim, o aparecimento e a evolução do contencioso administrativo em cada país acaba por espelhar o crescimento do país em si, e em Moçambique estas duas realidades – o aparecimento e evolução do contencioso administrativo; e a evolução da história do país em geral - podem ser divididas em dois períodos: uma fase colonial e uma fase pós-colonial.

A coincidência não é, no entanto, total. Em termos históricos o período colonial termina em 1975, porém a influência do colonialismo no direito irá sentir-se atè à reforma de 2001, com a aprovação da Lei sobre o Processo Administrativo Contencioso.

Antes de 1675, existia em Moçambique um género específico de governo denominado de “Capitania”. Estas Capitanias eram colónias, administradas por concessão, em que o Estado procedia a uma delegação de poderes soberanos no descobridor.

Não havia nesta época nenhum tribunal administrativo. A única garantia contenciosa que existia era a figura do “ouvidor” que aplicava um “direito privado”. Os juizes locais estavam submissos à autoridade dos capitães, o que, evidentemente, restringia a sua independência e a execução das suas decisões. Mais do que através de garantias contenciosas, os eventuais problemas administrativos eram resolvidos através de garantias graciosas.

Só em 1675 desaparece o “monopólio do capitão” e em meados do século XVII dá-se uma acentuação do processo de centralização do poder central. Ainda assim, e até 1752, altura em o Governo de Moçambique é separado de Goa, os territórios continuam a ser administrados de um modo quase medieval já que os magistrados que administravam a justiça eram seleccionados pelo rei: eles eram os ouvidores que auxiliavam/assistiam os capitães.

Nesta administração de tipo colonial e em que está patente a figura do capitão, vigora uma confusão de funções e uma justiça que podemos classificar de discricionária, graciosa e pessoal.

Como sabemos, e como tem sido frisado nas aulas e já neste blog, encontra-se na origem da recepção do sistema de administração executiva português uma forte influência do direito francês e, consequentemente, também na Província de Moçambique essa influência se irá sentir, originando o aparecimento de uma justiça administrativa.

Verifica-se então que em França, do princípio da autoridade absoluta do Estado e da doutrina da unicidade do poder, decorre uma separação entre a função judiciária e a administrativa e como tal a Administração Pública passa a ser considerada uma actividade específica que pertence ao Governo.

Nas palavras de Henrion de Pansey “Juger l'administration, c'est encore administrer”. A resolução dos processos contenciosos administrativos está entregue à Administração Pública e é consagrado um sistema do “Administrador-Juiz”, caracterizado por Grégoire Bigot como um “belo exemplo da ditura administrativa na resolução do contencioso”.

Este conceito de Justiça Administrativa foi difundido por vários países europeus e outros no mundo e em Portugal a importação deu-se com a aprovação da Reforma Administrativa de 1832 que culmina com a aprovação de um códgio administrativo bastante descentralizador – Código de 1836.

Este código foi substituído em 1842 pelo código de Costa Cabral que foi aplicado ao Ultramar e se pode dizer constituir o início da introdução, em Moçambique, de um sistema de administração executivo em que um órgão específico – tribunal administrativo – se encarrega da resolução de lítigios administrativos através de regras processuais próprias. Noutras palavras, foi com a aplicação do Código de 1942 que foi importado em Moçambique o sistema de administração executiva.

A influência da metróple na justiça administrativa moçambicana dura para lá da aprovação da Portaria que, em 1856 ,marca o nascer de um Direito Processual Administrativo Contencioso em Moçambique.

Só depois de 1869, com o surgimento de um Tribunal Administrativo se dá um processo de autonomização da justiça administrativa já que se produzem diplomas legislativos específicos para as províncias ultramarinas no sentido de melhor corresponder às situações particulares das colónias.

Efectivamente, é no Decreto de 1 de Dezembro de 1869 que é referido pela primeira vez o termo “tribunal administrativo”.

Este tribunal administrativo, o Conselho de Província, era composto apenas por administradores e funcionários.

Em 1907 dá-se a implementação de uma importante Reforma – a Reorganização Administrativa da Província de Moçambique – que pretendia acabar com uma centralização excessiva e introduzir uma concentração da autoridade e dos poderes em cada grau. Esta reforma embora tenha alterado a composição e alargado as atribuições do Conselho de Província, não atingiu os objectivos a que se propunha. Assim sendo, em 1913 é aprovado um outro decreto que vem reorganizar os serviços do Conselho de Província, tornando o Conselho mais judicial e profissional e atribui gratificações a vogais e juízes.

É no ano de 1922, a 28 de Janeiro, que é promulgada a Carta Orgânica de Moçambique, diploma da maior importância já que consagra pela primeira vez, explicitamente, a instituição do Tribunal Administrativo. A 26 de Julho do mesmo ano é publicado o estatuto do Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas de Moçambique.

Algumas das características deste diploma que me parece importante salientar são:

- A consagração do princípio fundamental de independência do Tribunal Administrativo em relação ao Poder executivo;

- A produção de efeitos dos acordãos do Tribunal administrativo é igual à das decisões dos tribunais judiciais;

- As sessões dos tribunais são públicas;

- O contencioso administrativo continua um contencioso de actos (e não de actividades);

- O princípio do contraditório é mencionado de forma expressa.

Em 1934 entra em vigor a RAU – Reforma Administrativa Ultramarina, que consagra uma Parte (V) relativa ao regime e organização do contencioso administrativo nas colónias.

Com a independência de Moçambique em 1975, é instituída uma democracia popular que visa a edificação de uma sociedade socialista em que a Administração verá reforçada a sua capacidade de acção e em que haverá o cuidado de respeitar a legalidade da administração.

Voltando à RAU há-que dizer que esta reforma não acompanha, no entanto, as necessidades sentidas pelo amadurecimento de uma moderna jurisdição administrativa e a própria RAU acaba por sofrer uma reforma em 2001 com a Lei de 9/2001 de 7 de Julho sobre o Processo Contencioso Administrativo.

A reforma de 2001 contribui para simplificar as relações tanto contenciosas como não contenciosas “susceptíveis de se estabelecer entre os administrados, utentes dos serviços públicos e particulares em geral, e as administrações do Estado ao nível central e local e administrações autárquicas.”, e pode ser lida aqui: http://www.ta.gov.mz/IMG/pdf/lei_9_2001.pdf.

Podemos então concluir, sem qualquer tipo de dúvida, que Moçambique é um país com regime administrativo em que a Administração Pública está sujeita a normas jurídicas diversas das do Direito Privado e onde existe uma jurisidição administrativa especializada.

Luísa Teixeira da Mota

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