quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Acórdão

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DO CÍRCULO DE LISBOA

Acórdão do Tribunal Administrativo n.º 23/2010

Processo nº 6666/10 – Pleno da 1ª Secção

Acordam, em conferência, no Pleno da 1.ª Secção do Tribunal Administrativo:

1. Relatório
Francisco Sigmundo Armado em Esperto (doravante Francisco Esperto) e ‘Somos da Inteira Confiança’ S.A (doravante SIC) produzem alegações nos termos das quais se conclui o seguinte:
I. O Estado actuou violando o art.24º, nº1alí. c) do Código dos Contratos Públicos pois não se verificam as condições que justificam o recurso a ajuste directo
II. Havendo preterição de concurso público é nulo o procedimento e subsequente contrato
III. A situação de urgência imperiosa é imputável ao Estado
IV. Francisco é parte legítima da presente acção
V. A Demanda da empresa “Million Dollar Vehicle” (doravante MDV) é impossível pelo encerramento da mesma empresa.
O Ministério da Administração Interna, Réu, apresentou vários argumentos dos quais se conclui o seguinte:
I.Na reunião da SIC com o ex Secretário de Estado esta ofereceu-se para vender ao Estado os seus blindados
II.A SIC foi informada de que seria realizado ajuste directo
III.Houve um incêndio no armazém onde estavam contidos blindados que iriam ser utilizados na Cimeira
IV.O incêndio é imputado ao Estado
V.O Incêndio não consubstancia razão bastante para recorrer ao ajuste directo
Foram os autos submetidos a conferência para julgamento



2. Questões a analisar
Em primeiro lugar, cumpre analisar a invalidade ou não do contrato celebrado entre a MDV e o Estado celebrado em 15 de Setembro de 2010.
Em segundo plano, há a averiguar se há lugar a responsabilidade extra – contratual do Estado perante a empresa SIC, por não ter havido concurso Público, que daria oportunidade, à mencionada SIC de expôr as suas competências, estratégias e produtos, e possivelmente celebrar contrato relativo aos veículos blindados com o Estado.

3. Fundamentação
Quanto às partes em litígio vem o tribunal reafirmar a legitimidade do Autor Francisco Esperto, reafirmando também que, como havia já sido referido no Despacho Saneador proferido a 12 de Dezembro de 2010, não assiste neste aspecto razão aos réus.
Com efeito, da conjugação do artigo 9º nº 2 do CPTA com os artigos 27º e 52º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, e tendo ainda em conta o disposto na Lei 83/95 relativa ao Direito de Participação Procedimental e de Acção Popular, se retira que Francisco Esperto é parte legítima no processo, remetendo-se para a fundamentação dada por este tribunal no já aludido Despacho Saneador.
Quanto à necessidade da presença da empresa MDV em juízo, efectivamente esta teria interesse legítimo na manutenção do acto impugnado e como tal configurar-se-ia uma situação de litisconsórcio necessário passivo – artigos 10º e 57º CPTA.
No entanto, depois de inúmeros esforços e tentativas frustradas no sentido de contactar e citar a dita empresa, o Tribunal veio a conhecer do encerramento de portas da mesma, tendo recebido a secretaria do Tribunal a Declaração de Cessação de Actividade e o Registo Comercial de Dissolução da Empresa MDV.
Neste sentido, viu-se o Tribunal obrigado a conhecer do mérito da causa com as partes possíveis em juízo.

3.1. Quanto à primeira questão, Francisco Esperto pede a anulação do contrato.

O autor Francisco Esperto, alega a falta de utilidade da compra dos veículos blindados, visto a cimeira já ter ocorrido.

Uma das formas de impugnação do acto é através de um pedido de anulação do acto administrativo (art. 46º, nº 2 alin. a) do CPTA). Ao abrigo do art. 51º do CTPA são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa. É este o caso sub judice, visto que o autor quer anular um acto cuja eficácia põe em causa um interesse público.

Ao abrigo do art. 58º do CPTA os prazos para intentar a acção estão cumpridos, estando assim reunidas as condições para o autor intentar a acção.

No entanto, o autor invoca como causa de pedido da anulação do contrato o facto do contrato não ter sido cumprido. Ora, tanto à luz das regras gerais do Direito das Obrigações ( art. 790º e seguintes do Código Civil), como ao abrigo do art. 325º do Código dos Contratos Públicos, o incumprimento do contrato não gera qualquer tipo de invalidade. Estamos apenas no âmbito de um incumprimento do contrato, que por perda do interesse da parte do comprador, faz operar a resolução do mesmo (mas nunca anulabilidade do contrato) - nº 2 do mesmo artigo do Código dos Contratos Públicos.
Como tal, o tribunal considera improcedente o pedido de anulação do contrato pela causa de incumprimento. Há que ter em conta que não há lugar a invalidades por factos supervenientes. As invalidades são baseadas em factos originários e o facto do contrato não ter sido cumprido, não faz dele nulo.

Há, no entanto, uma causa de anulabilidade do contrato. O facto de se ter recorrido ao ajuste directo, sem estarem cumpridos os requisitos de urgência, em vez de se ter optado pelo concurso público, origina uma violação legal nos termos dos artigos 283º e 285º do Código dos Contratos Públicos. Como não cabe em nenhum dos casos do art. 133º do CPA, estamos perante a regra da anulabilidade do contrato (art. 135º CPA).

Assim sendo, o contrato celebrado entre o Ministério da Administração Interna e a MDV é anulável nos termos gerais do CPA.

3.2. Quanto à pretensão formulada pela autora (a SIC):

Considerando que a escolha do tipo de procedimento na modalidade do ajuste directo, independentemente do valor estimado da despesa pública envolvida, configura um agir administrativo no âmbito do poder vinculado quanto às circunstâncias de facto verificáveis na sua realidade concreta, por reporte ao elenco taxativo de pressupostos estatuído no artigo 24º nº1 al. c) do Código dos Contratos Públicos

Considerando que nos termos da disposição da alínea c) do nº 1 do artigo 24º do Código dos Contratos Públicos, para que se considerem preenchidos os requisitos da adjudicação por ajuste directo é necessário que, cumulativamente, tenham ocorrido factos imprevisíveis que determinem a urgência da adjudicação e que tais factos não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante.

Considerando que a subsunção das circunstâncias do caso concreto aos pressupostos legais passa pela averiguação do sentido dos conceitos abstractos indeterminados utilizados na lei, a saber, razões de “urgência imperiosa” na decorrência de “acontecimentos imprevistos”, “não imputáveis” à entidade adjudicante.

Tendo em conta a matéria de facto provada, o presente tribunal considera que, se o incêndio que deflagrou a 12 de Setembro de 2010 no armazém onde se encontravam todos os veículos blindados do Comando Distrital de Lisboa da PSP criou de facto uma situação de urgência que pode ser qualificada de imperiosa, não ficou suficientemente provado que essa situação decorresse de acontecimentos imprevistos e não imputáveis à entidade adjudicante. Pois, com efeito, resulta da investigação pericial que o incidente foi devido a um curto-circuito e que esse dito curto-circuito ocorreu devido ao nível de humidade local. Ora, é conhecido que a humidade é um factor que geralmente aumenta as probabilidades de tal incidente. Este curto-circuito era portanto previsível. Cabendo ao Estado assegurar-se das boas condições do local onde guarda o seu material de guerra, a circunstância de ter deflagrado um incêndio no dito armazém por ocorrência de um curto-circuito não pode deixar de ser considerada imputável ao Estado.

Considerando que tanto basta para concluir pela não verificação, no caso sub judice, de dois dos pressupostos exigidos no artigo 24º nº1 al. c) do Código dos Contratos Públicos para o Estado poder contratar a MDV por ajuste directo.

Considerando que a declaração de nulidade do acto sub judice gera a nulidade do contrato que adveio desse mesmo acto, por força dos artigos 133º nº1 do CPA, como exposto anteriormente, nas conclusões ao ponto 3.1. .

Considerando que nos termos do art. 7º da lei nº 67/2007, o Estado incorre em responsabilidade civil extra contratual, visto que o acto pelo qual o Estado recorreu ao ajuste directo e não ao concurso público é ilícito. No mínimo, o Estado deve incorrer em responsabilidade sob culpa leve, nos termos dos artigos 9º, nº 1 e 10º, nº2 da mesma lei.

Considerando que a actuação desconforme à lei do Estado provocou um dano à SIC por esta não ter tido a oportunidade de participar no concurso público legalmente exigido.

Considerando que a condenação do Estado nas custas não constitui reparação suficiente do dano sofrido pela SIC deve ser acrescido montante indemnizatório de parte do que é pedido pelos autores


4. Decisão
Com os fundamentos expostos, o Tribunal decide:

a) Anular o contrato celebrado entre a empresa MDV e o Estado em Setembro de 2010 em consequência da declaração de anulação do acto de ajuste directo que lhe deu lugar;
b) Responsabilizar extra – contratualmente o Estado relativamente ao facto de ter optado por ajuste directo em detrimento do instituto de concurso público, sem razões satisfatórias que preencham os requisitos do referido artigo 23º do Código dos Contratos Públicos no total de 500 mil euros.
c) Condenar o Réu nas custas.


Publique-se, nos termos do artigo 152º, n.º4 do CPTA.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2010.

- Benedita Sampaio Nunes – 140107508 - Catarina Granadeiro – 140107016 - Luisa Nobre Guedes – 140106126 - Luisa Teixeira da Mota – 140106111 - Maria Norton dos Reis – 140107073.

Sem comentários:

Enviar um comentário