segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Processos Urgentes

Entre a Acção Administrativa e a Tutela Cautelar

- Em especial, a Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias -

A) Os Processos Urgentes

Uma inovação do direito português, os processos urgentes apresentam-se como um tertio género na tutela de direitos pelo Contencioso Administrativo. Aqui, estamos perante um meio de tutela de direitos, onde a relação jurídica controvertida, pela sua natureza, exige uma conformação definitiva (tal como acontece nas acções administrativas comuns e especiais) e especialmente rápida, ou seja, urgente (característica típica dos processos cautelares) do litígio.

A existência destes meios processuais prende-se, assim, uma necessidade urgente de uma decisão de fundo da causa, donde se distingue da tutela cautelar. Neste meio processual pretende-se uma decisão que acautele o fim útil da decisão jurisdicional, mas não a decisão do litígio em si, enquanto nos processos urgentes se vai assistir à definição do direito.

Esta mesma urgência traduz-se numa tramitação processual simplificada face às acções administrativas, quer em termos de prazos para a prática de actos processuais, prazos para decisão jurisdicional, como limitações nos actos a serem executados (Cfr. Título IV com as disposições do Capitulo III do Título III do CPTA). Esta simplificação e celeridade estendem-se aos prazos para recurso das decisões no processo urgente (Cfr. art.º 147.º por remissão do artigo 36.º do CPTA).

Sob o Título IV, “Dos Processos Urgentes”, encontramos a regulação de algumas destas figuras, enquanto impugnações urgentes, isto é, processos que se assemelham a acções administrativas especiais urgentes de acordo com Mário Aroso de Almeida, ou intimações, que consubstanciam uma imposição comparável, com as devidas limitações, à existente na acção de condenação na prática de acto devido. São estes processos a impugnação urgente em contencioso eleitoral ou em contencioso pré-contratual, e a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, ou para a protecção de direitos, liberdades e garantias.

Todavia, estas figuras especialmente reguladas no CPTA não exauram todas as situações em que a lei admite a existência de um processo urgente, de acordo com o disposto no número 1 do artigo 36.º do CPTA – a exemplo, a intimação para prática de acto legalmente devido ao abrigo do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (Cfr. art.º 112.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 1 de Agosto).

Com a Reforma do Contencioso Administrativo em 2004 estas figuras foram resgatadas da legislação anterior, todavia, o seu tratamento foi algo negligenciado, mantendo-se em larga medida a regulação nos termos da legislação anterior, o que pode suscitar algumas questões. Assim, salienta-se a necessidade de corrigir a interpretação de algumas disposições em função dos princípios gerais do CPTA (princípio da tutela de plena jurisdição ou o fim da definitividade do acto como pressuposto processual), ou, até, a necessidade de conviver com desconformidades ilógicas e insanáveis (Cfr. n.º 1 do art.º 100.º com o art.º 37.º do CPTA e as alíneas b., e., e f., do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF).

Porém, em 2004, criou-se uma figura nova – a Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias (art.º 109.º e ss. do CPTA). Deste processo trataremos em especial.

B) Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias

Este processo, uma inovação em 2004, surge por influência das legislações latinas, nomeadamente a Lei n.º 29/1998, de 14 de Julho, que regula o contencioso administrativo espanhol e introduziu el procedimiento especial para la protección de los derechos fundamentales de la persona, e a Lei n.º 2000-597, que reformou o contencioso administrativo francês e introduziu a figura do référé-liberté.

O contencioso espanhol, desde 1978 e ainda que com carácter provisório, dispõe de um mecanismo para proteger os direitos fundamentais, que assenta em premissas de urgência e simplificação na tramitação processual, características que este procedimento partilha com a nossa intimação. Discute-se, todavia, se o seu âmbito se restringe ao estrito conhecimento do acto lesivo de direitos fundamentais ou se deve-se entender que pode conhecer também das questões conexas com o conteúdo do direito fundamental.

Por sua vez, o contencioso francês criou um processo urgente para tutelar liberdades fundamentais face a lesões graves e manifestamente ilegais numa situação de urgência. Aqui discute-se se este é um mecanismo que visa apenas assegurar uma tutela provisória da situação, devendo, como tal, abstrair-se de afectar questões que respeitariam a um processo principal, ou se, todavia, é já um verdadeiro processo principal onde o juiz pode decidir definitivamente a questão.

No direito português, a intimação para tutela de direitos fundamentais ultrapassou estes dois problemas, na medida em que estamos perante um processo que visa a definição final da relação controvertida, tendo em atenção que, para esta definição final, há-de o tribunal conhecer de todas as questões conexas com o conteúdo do direito fundamental.

Surgiram, todavia, outras questões, nomeadamente, a necessidade de definir o âmbito dos direitos a serem tutelados por este processo urgente. Assim, três posições têm sido defendidas na doutrina nacional:

- Restritiva: a menção a direitos, liberdades e garantias deve ser entendida restritivamente como reportando-se exclusivamente àqueles que respeitam a direitos de natureza pessoal. Esta interpretação visa estender a aplicação do número 5 do artigo 20.º da CRP ao contencioso administrativo

Esta posição, contudo e para Vasco Pereira da Silva, não é de se aceitar uma vez que a referida norma constitucional estipula apenas um mínimo constitucional, sobre o qual o legislador ordinário tem liberdade para dispor.

- Literalista: a menção estrita a direitos, liberdades e garantias traduz a vontade do legislador em excluir do seu âmbito os direitos económicos, sociais e culturais.

Para o referido autor, esta interpretação esquece o disposto no artigo 17.º da CRP, que cria uma noção ampla e uma cláusula aberta de direitos fundamentais, bem como estende o seu regime aos direitos de natureza análoga. Por sua vez, e para este autor, não se está aqui perante um problema de analogia, mas sim de identidade entre direitos: tanto os direitos, liberdades e garantias como os direitos económicos, sociais e culturais são idênticos na sua dimensão de direitos subjectivos, distinguindo-se apenas na sua dimensão objectiva, enquanto metas para a Administração, pelo que tal distinção não tem razão de ser em termos processuais.

- Ampla: estamos perante uma intimação para tutela também de direitos económicos, sociais e culturais.

Esta é a interpretação que os tribunais administrativos têm vindo a aceitar, construindo uma figura que pode vir a ter especial relevância em termos de Direito ao Ambiente e à Saúde, entre outros.

Para além das dificuldades na definição do âmbito deste mecanismo, coloca-se a questão de saber quando se pode recorrer a este processo urgente, nomeadamente se confrontado com a existência de um mecanismo cautelar com um âmbito de aplicação muito próximo, o decretamento provisório de providência (Cfr. art.º 131.º e n.º 1 do art.º 109º in fine do CPTA).

Assim, este processo pode ser utilizado para fazer frente à violação de direitos fundamentais que exige uma resposta útil na medida em que esta violação se esgota no tempo, em razão da sua imediaticidade, mas também quando o processo cautelar não se afigura suficiente. Estamos perante o que Ana Sofia Firmino, apresenta como uma das duas “condições de deferimento da intimação”:

- Subsidiariedade da intimação face ao recurso à tutela cautelar: será de recorrer ao processo urgente apenas quando não exista qualquer outro processo que tutele especificamente e de forma mais eficaz a situação em apreço e independentemente da jurisdição a que se reporta (como defende a referida autora seguido a orientação proposta por Carla Amado Gomes), e quando este recurso se revele impossível ou insuficiente para acautelar a situação em apreço, entendidos estes requisitos como a necessidade ou não de uma decisão que exige uma composição definitiva versando sobre o fundo da causa, sendo relevante, neste juízo, o factor tempo e a imediaticidade da decisão lesiva.

Crê-mos, todavia, tendo em atenção o teor literal do número 1 do artigo 109.º que refere expressamente a subsidiariedade por referência ao decretamento provisório de providência, é de certa forma difícil estender a subsidiariedade face a todos os mecanismos de providência cautelar previstos no sistema jurídico. Por outro lado, e nosso entender, esta dificuldade resultará acentuada pelos moldes em que se definem o âmbito das várias jurisdições, numa lógica de exclusividade ou subsidiariedade sobre matérias, daí que, estando em causa a lesão de direitos fundamentais no seio de uma relação administrativa esta subsidiariedade deve ser aferida em relação aos meios cautelares fornecidos por esta jurisdição.

- Indispensabilidade da intimação para assegurar o exercício útil do direito fundamental: esta condição, referida na doutrina (em especial Carla Amado Gomes) e recebida pela jurisprudência, vem trazer para os processos urgentes a necessidade de, à semelhança da tutela cautelar, o tribunal dever estabelecer um juízo de ponderação entre os vários bens e interesses em causa em face de uma situação de absoluta necessidade da intimação para poder exercer o seu direito. Este é, naturalmente, um juízo casuístico adequado à vinculação da Administração ao princípio da proporcionalidade nas decisões que afectem direitos subjectivos dos particulares (Cfr. número 3 do artigo 5.º do CPA).

Também no que concerne à legitimidade para requerer esta intimação se exigem algumas ressalvas. Assim, não dispondo os artigos 109.º e seguintes sobre este pressuposto, será de aplicar o regime geral do artigo 9.º do CPTA. Assim, terão legitimidade qualquer pessoa singular ou colectiva que se veja afectada num seu direito fundamental. Já a acção pública deve ser entendida em termos limitados e recusar-se liminarmente a acção popular, uma vez que este processo, ao exigir a impossibilidade de exercício de um direito, se apresenta como exclusivamente subjectivista. Por outro lado, é inegável que as próprias pessoas colectivas públicas têm legitimidade para requerer esta intimação para defesa de um direito fundamental que lhes assista enquanto tal.

Quanto à tramitação deste processo urgente há a salientar a possibilidade de vários modelos de tramitação fruto do binómio urgência da decisão e complexidade da decisão, que se traduzem em prazos diversos e actos diversos (Cfr. art.º 110.º e 111.º do CPTA).

Por último, devemos assinalar a especial força deste processo urgente que admite, no número 3 do artigo 109º do CPTA, a possibilidade de o tribunal emitir sentenças substitutivas.

Bibliografia Utilizada:

Apontamentos das Aulas de Contencioso Administrativo leccionadas pelo Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva à Licenciatura em Direito na Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – 2010/2011.

ALMEIDA, Mário Aroso. 2010. Manual de Processo Administrativo. Coimbra: Edições Almedina.

FIRMINO, Ana Sofia. 2005. A Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias In SILVA, V. P. (Coord.), Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo – Estudos sobre a reforma do processo administrativo. Lisboa: AAFDL.

Cristina Miranda - 140107042

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