quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A omissão e a condenação à prática do acto devido

A condenação à prática do acto devido é um pedido da acção administrativa especial (arts. 46º do Código do Processo Administrativo) que se encontra regulado nos artigos 66º e ss. Podemos afirmar que constitui um exemplo da mudança de lógica do Contencioso Administrativo. Tendo sido introduzido com a reforma do modelo constitucional de contecioso administrativo resultante da revisão constitucional de 1997 e baseado na tradição alemã do "Vornahmeklage" das "acções para cumprimento de um dever" , foi uma consequência da nova linha orientadora derivada do novo modelo contecioso de cariz subjectivista, profundamente assente na ideia de tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, e que por consequência influenciou toda a orientação dos meios processuais. A reforma constitucional abriu assim a porta para a criação de um novo meio processual de natureza condenatória baseado na acção de condenação à prática do acto devido como uma modalidade de acção adminstrativa especial, onde o critério determinante será então a posição substantiva do particular no quadro da concreta relação jurídica administrativa e não o acto administrativo praticado ou omisso da Administração. Este pedido permite a condenação da Administração nos casos de omissão de actuação, como nos casos de emissão anterior de acto de contéudo negativo ilegal.

Os pressupostos processuais da condenação à prática do acto devido encontram-se regulados no art. 67 do Código de Processo Administrativo, referindo-se o primeiro à existência de uma omissão de decisão por parte da Administração ou a prática de um acto administrativo de contéudo negativo, distinguindo três situações legalmente previstas que poderão ser reduzidas a duas situações: a existência de uma omissão administrativa (al. a)) ou a existência de um acto de contéudo negativo, pois tanto a recusa da prática de um acto favorável (al. b)) como a recusa liminar da Administração a pronunciar-se (al. b)) conduzem ao mesmo resultado. Assim, para que essa omissão seja juridicamente relevante é necessário que tenha existido um dever de actuação por parte de um orgão da administração desencadeado por um pedido do particular, e logicamente, não tenha havido qualquer decisão dentro do prazo legalmente estabelecido.

No passado, a regra para tratar estes casos seria considerá-los como tacitamente indeferidos, a fim de permitir a sua impugnação contenciosa. Só que através da mudança operada no aparelho contencioso administrativo fruto essencialmente da revisão constitucional de 1997 e da efectividade da tutela plena dos direitos subjectivos dos particulares, permite-se agora que os particulares solicitem directamente a condenação da Administração na prática do acto devido. Esta possibilidade dada pelo o legislador vem terminar um processo de impugnação de que alguns autores, como o Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva denominaram de "actos fingidos", afastando a anterior prática que levava os tribunais a anular os tais fingidos actos administrativos. A admissibilidade de acções condenatórias da Administração teve como consequência, e de acordo com as posições de Mário Aroso de Almeida e de Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva, que "o artigo 109º, nº1, do CPA é tacitamente derrogado na parte em que reconhece ao interessado a faculdade de presumir indeferida a sua prentensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação".

E na questão em que a omissão administrativa equivale ao deferimento tácito (art. 108º do CPA)? De acordo com a doutrina do Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva (ao contrário com a de Mário Aroso de Almeida), considera igualmente que nestes casos não estamos perante de um verdadeiro acto administrativo, não se devendo afastar a possibilidade de pedidos de condenação na prática do acto devido. O Professor continua explicando que devemos distinguir a produção de efeitos consequentes de uma "ficção legal" fruto da conduta omissiva da Administração da actuação intencional desta, materializada num procedimento administrativo destinado à emissão de um acto administrativo. Trata-se no caso do deferimento tácito, de entre várias questões subsequentes, de uma tentativa de criar um equílibrio entre uma solução destinada a desburocratizar a actividade administrativa (art. 267º CRP e art. 10º do CPA) e dotá-la de uma maior eficiência através da eliminação de alguns «aprovações meramente burocráticas» e o surgimento de acrescidas exigências de decisão efectiva por parte dos orgãos administrativos que podem ser de massa, as quais obrigam à ponderação de interesses múltiplos e contraditórios e que não se compadecem com esquemas rígidos de presunções legais. No ponto de vista dos direitos dos particulares, é menos necessária a existência de "mecanismos compensatórios" para os défices de funcionamento da Administração, sabendo que agora é possível, devido a um novo sistema Contecioso de plena jurisdição, que os particulares reajam através de um pedido de condenação da Administração na prática do acto devido contra omissões ilegais podendo ser acompanhados por medidas cautelares (art.66º,3). O Prof. Vasco Pereira da Silva entende igualmente que se deveria repensar o próprio proprósito de existência (ou inexistência neste caso) desta "ficção legal", chegando a colocar a hipótese de se afastar esta figura do Código do Procedimento Administrativo. Em relação ao contéudo das sentenças, a medida da condenação corresponderá ao âmbito de vinculação da Administração, ou seja, do contéudo do direito do particular, visto que existirá uma sentença condenatória quando o particular for titular de um direito a uma determinada conduta por parte da Administração e esta não actuou ou não praticou um acto administrativo quando estaria legalmente vinculada a actuar ou a praticá-lo. Pode-se considerar a existência de duas principais modalitades de sentenças resultantes da sub-espécie da acção declarativa especial em análise: as que condenam à prática de um acto administrativo cujo o contéudo é determinado pela sentença; e aquelas que cominam à prática de um acto administrativo cujo o contéudo é relativamente indeterminado na medida em que estão em causa escolhas da responsabilidade da Administração e em que o tribunal indica a "forma correcta" do exercício do poder discricionário. Estas são inspiradas nas "sentenças indicativas", verificando-se quando existe uma mera omissão como quando estamos perante um caso de um acto administrativo desfavorável, resultando portanto numa espécie de sentenças mistas que se referem ao aspecto condenatório obrigando à prática do acto administrativo como aos aspectos vinculado do poder em questão, com uma vertente declarativa de simples apreciação permitindo ao tribunal orientar a Administração nos casos de discricionariedade.

Mesmo admitindo que o deferimento tácito constitui um acto administrativo, isso não seria base suficiente para afastar a possibilidade de propor uma acção condenatória já que esta pode ter como objecto uma actuação administrativa desfavorável e não apenas uma omissão. Assim, a única objecção procedente não teria a ver com o facto de existir ou não um acto administrativo, mas sim que o deferimento tácito ter efeitos positivos, ou seja, revelar-se em príncipio favorável para o interessado e não desfavorável. Mesmo nestas circunstâncias, entende mais uma vez o Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva, que não se pode afastar as acções condenatórias derivadas de um deferimento tácito em duas circunstâncias: na hipótese de deferimento tácito ter sido formado nos termos da lei mas não corresponder integralmente às pretensões do interessado, sendo nessa medida considerado como parcialmente desfavorável e passível de acção condenatória; e na segunda circunstância de o deferimento tácito, estando inserido numa relação multilaterial, ser favorável apenas a determinados sujeitos, correspondendo a uma omissão administrativa geradora de efeitos desfavoráveis. Como exemplo temos o caso do deferimento tácito de avaliação de impacto ambiental previsto no art. 19º, do Decreto-Lei nº69/2000 de 3 de Maio que através da pretensão favorável do pedido do particular cria subsquentes actos desfavoráveis relativamente aos outros sujeitos da relação jurídica multilateral. Nestas situações onde não existe um acto administrativo (para além do ficcionado) mas existem efeitos desfavoráveis relativamente ao requerente ou aos outros sujeitos da relação, a melhor forma de reacção será o da sentença condenatória em acção administrativa especial, afastando por completo a antiga prática anulatória de um acto ficcionado com a reforma do Contencioso Administrativo.


Bibliografia

Pereira da Silva, Vasco, " O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as acções no novo Processo Administrativo", 2ª Edição, Editora Almedina, Março 2009

Rebelo de Sousa, Marcelo; Salgado de Matos, André, "Direito Administrativo - Tomo III Actividade Administrativa", 1ªa Edição, Editora Dom Quixote, Fevereiro 2007

Francisco M. Ferrão - nº 140106101

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