domingo, 5 de dezembro de 2010

O processo pré-contratual

O processo pré-contratual é um processo de impugnação previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Visa qualificar os actos administrativos praticados durante os procedimentos de formação de contratos, de direito público ou de direito privado, que são celebrados pela Administração Pública.
Este processo é, antes de mais, uma exigência do contencioso Europeu, uma vez que foi por imposição de transposição de Directivas Comunitárias, que vieram impor uma maior celeridade na resolução de litígios decorrentes dos processos de formação de contratos públicos, que o legislador veio consagrar este regime no Código de Processo nos Tribunais Administrativos. É dai que deriva a primeira dificuldade inerente a este processo no sentido em que estas directivas, datadas de 1998, foram transcritas “sob pressão” uma vez que o Estado Português já se encontrava em incumprimento das mesmas e a solução que o legislador encontrou para solucionar a questão foi antecipar a entrada em vigor do CPTA devido à Directiva. No entanto, por causa desta urgência, e surgindo, em 2004, novas directivas sobre contratação pública a serem transpostas, que tinham efeitos também no âmbito do contencioso administrativo, o código acabado de entrar em vigor encontrava-se de certa maneira, já desactualizado. Algumas normas, que se anteciparam ao código, encontravam-se desactualizadas em relação ao mesmo. Deparamo-nos assim com um contencioso muito amplo, que permite reagir contra a função administrativa mas um contencioso pré-contratual mais restrito, que se aplica apenas a certos contratos, que não são todos os que cabem no âmbito de aplicação geral.
São assim algumas as dificuldades surgidas devido às vicissitudes inerentes à criação deste processo urgente. Em primeiro lugar podemos dizer que o CPTA criou dois modelos de impugnação diferentes: um geral, para a acção administrativa especial e um especial, para o regime do processo urgente de contencioso pré-contratual. Neste sentido o artigo 100º, nº1 do CPTA estatui que o regime de tramitação urgente apenas vale para a impugnação de actos relativos à formação de contratos aí previstos”, sendo assim uma forma de criar um regime específico para a impugnação contenciosa de actos praticados no processo de criação de diferentes contratos públicos.
Quanto ao carácter de urgência do processo contratual, é de referir que falamos aqui de uma urgência em sentido amplo, de uma urgência geral e não num sentido restrito. Não está aqui em causa qualquer interesse privado dos particulares. Não se trata de uma providência cautelar mas está intrinsecamente ligada às mesmas, uma vez que são elas que visam a sua tutela, podendo vir a impedir a celebração do contrato. Falamos aqui de urgência lato sensu, no sentido em que o interesse tutelado com este processo é o interesse público através da estabilização dos processos pré-contratuais. Podemos assim evidenciar duas características do contencioso pré-contratual: um prazo mais curto do que o normal para impugnação desses mesmos actos; e uma tramitação menos solene e mais rápida.
Quanto ao âmbito do processo, apenas os actos relativos à formação de contratos expressamente referidos no artigo 100º, nº1 podem ser impugnados. Trata-se de um sistema que visa apenas a transposição das Directivas anteriormente referidas, limitando o processo a alguns contratos o que não faz qualquer sentido. Seria de acolher uma solução que passasse a abranger o contencioso pré-contratual de todos os contratos precedidos dos procedimentos pré-contratuais de direito público. No entanto, como diz o Professor Vasco Pereira da Silva, estamos perante uma contradição insanável uma vez que ao enumerar os contratos a que o processo pode ser aplicado, o legislador é o único que pode remediar a situação, alargando esse âmbito.
Quanto aos prazos de propositura, surgem também algumas dúvidas quanto à interpretação do artigo 101º. Em relação a esta matéria é possível enumerar 3 fases distintas. Uma primeira fase quanto ao prazo para a impugnação de actos nulos. O prazo de um mês referido pelo legislador quanto a actos anuláveis é também de aplicar quanto a actos nulos. Não parece ser essa a posição da maioria da doutrina, considerando esta que a nulidade pode ser declarada a todo o tempo e mesmo por qualquer tribunal. A segunda fase diz respeito à articulação entre impugnação administrativa facultativa e impugnação contenciosa. Efectivamente, o artigo 59º, nº4 refere que a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto adminsitrativo. É ou não possível extender esta norma ao processo urgente pré-contratual? Foi assim que decidiu o Supremo Tribunal de Justiça sendo agora de ponderar a inclusão do artigo 59º na remissão do artigo 100º para tornar a situação mais clara. Finalmente, quanto à impugnação pelo Ministério Publico, não se encontra, de forma expressa, nenhum prazo fixado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos. No entanto, parece ser de entendimento consensual o prazo de um mês fixado no artigo 101º, à luz da remissão do artigo 100º, nº1 no que ao diz respeito à aplicação do regime pré-contratual a todas as situações de impugnação dos actos mencionados nesse artigo. Quanto à legitimidade para a impugnação, esta deriva, uma vez mais, do contencioso europeu e de normas comunitárias, sendo legítimo qualquer interessado, ou seja, todos os participantes no procedimento pré-contratual, alargando assim o âmbito do artigo 73º, não sendo necessário a verificação dos requisitos do nº1 e 2º do referido artigo. É ainda de referir o objecto do processo uma vez que o código deixou de fora algumas situações importantes. Por exemplo, não existe nenhuma referência quanto aos pedidos de condenação a prática de actos administrativos e parece, uma vez mais de entendimento comum, que o já referido artigo 100º poderia fazer referencia expressa a tal situação, no sentido de contemplar os pedidos de condenação à prática de actos pré-contratuais. Existe também uma lacuna na situação em que um particular se encontre perante actos de conteúdo negativo uma vez que o regime legal apenas considera a reacção contra actos de conteúdo positivo. O prazo para deduzir o pedido de condenação deverá ser sempre igual ao prazo de impugnação, dando início à contagem com o decurso do prazo legal para decidir, ou com a notificação do acto de indeferimento.
Assim, podemos constatar que este processo pré-contratual urgente, não obstante a ideia de criar um sistema mais célere para a resolução de litígios decorrentes dos processos de formação de contratos públicos, veio ser penalizado pela pressão imposta pela União Europeia, criando algumas lacunas e contradições. Seria assim aconselhável impor-se algumas reformulações, tornando a lei mais clara e proporcionando uma maior coerência da litigância relativa ao procedimento pré-contratual.

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